Artigo 5° (...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
A norma citada está prevista no art. 5º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), e representa uma das garantias fundamentais mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro, conhecida como direito à integridade física e moral. Ela estabelece que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante", protegendo assim a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental consagrado no art. 1º, inciso III, da mesma Constituição.
Análise Doutrinária
A doutrina brasileira entende esse dispositivo como uma expressão do compromisso do Estado com a proteção dos direitos humanos, reconhecendo a dignidade humana como um valor absoluto e inviolável. Segundo José Afonso da Silva, o direito de não ser submetido a tortura ou tratamento desumano ou degradante está diretamente ligado à ideia de dignidade humana, sendo esta cláusula pétrea e um direito fundamental indisponível. A tortura, como definida pelo jurista, abrange qualquer tipo de sofrimento físico ou mental imposto com o objetivo de coagir, punir ou discriminar a pessoa.
O renomado constitucionalista Alexandre de Moraes explica que a proibição da tortura, tratamento desumano e degradante tem raízes em tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Para Moraes, essa proteção se estende a qualquer forma de violência física ou psicológica, mesmo que seja com a justificativa de segurança pública ou de manutenção da ordem social.
Jurisprudência
A jurisprudência brasileira é unânime em condenar práticas de tortura e qualquer ação que caracterize tratamento degradante ou desumano, reforçando a aplicação irrestrita do inciso III do art. 5º. O Supremo Tribunal Federal (STF) já proferiu diversas decisões que enfatizam essa proteção, incluindo casos em que há violência policial, superlotação carcerária e condições insalubres de detenção. Nessas situações, o STF tem reconhecido que práticas que violam a dignidade dos presos e custodiados constituem tratamento degradante, sendo dever do Estado zelar pela integridade física e moral desses indivíduos.
Um exemplo importante é a ADPF 347, que declarou o "estado de coisas inconstitucional" do sistema prisional brasileiro, reconhecendo que as condições degradantes das prisões violam o direito fundamental previsto no inciso III do art. 5º da Constituição. O STF entendeu que o Estado falha em garantir os direitos mínimos aos presos, caracterizando a situação como degradante e contrária à Constituição.
Aplicação Prática e Relevância
O dispositivo tem aplicação prática em diversas áreas, como o Direito Penal e o Direito Processual Penal. A vedação da tortura e de tratamentos desumanos é a base para a ilegalidade de provas obtidas mediante coação ou maus-tratos, aplicando-se o art. 157 do Código de Processo Penal (CPP). Qualquer confissão ou prova obtida por meio de tortura é considerada nula, protegendo o indivíduo contra abusos do poder estatal.
Além disso, o inciso III é fundamental na regulamentação do uso da força por agentes de segurança pública. Em casos de abordagem, detenção e interrogatório, a atuação dos agentes deve sempre respeitar os limites da legalidade e da proporcionalidade, sob pena de serem responsabilizados por abuso de autoridade (Lei nº 13.869/2019).
Conclusão
O inciso III do art. 5º da CF/88 reflete um compromisso constitucional com a preservação da dignidade humana, proibição da tortura e proteção contra tratamentos desumanos e degradantes. A doutrina, a jurisprudência e os tratados internacionais reforçam que essa proteção é um valor absoluto e fundamental, aplicável a todos os cidadãos. Assim, cabe ao Estado assegurar sua efetiva aplicação, garantindo que nenhuma pessoa seja submetida a condições indignas, independentemente das circunstâncias ou da situação jurídica em que se encontre.
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