Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
O artigo 8º do Código Penal brasileiro trata da relação entre penas cumpridas no estrangeiro e penas impostas no Brasil pelo mesmo crime. A redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984, dispõe que:
Quando as penas forem diversas: a pena cumprida no exterior atenua a pena imposta no Brasil.
Quando as penas forem idênticas: a pena cumprida no exterior é computada na pena imposta no Brasil.
1. Interpretação
Esse artigo visa impedir a dupla punição injusta pelo mesmo fato. Dessa forma, ele tem uma aplicação relacionada ao princípio da proporcionalidade, especialmente no que se refere ao direito penal internacional e à proteção de direitos fundamentais, como a proibição do "bis in idem", princípio que impede que uma pessoa seja julgada ou punida duas vezes pelo mesmo crime.
Quando as penas são diversas:
Aqui, o legislador se refere a situações em que a pena aplicada no exterior não é idêntica àquela prevista no Brasil. Nesse caso, a punição cumprida no estrangeiro não será diretamente deduzida da pena imposta no Brasil, mas será levada em consideração para atenuar a punição. Isso ocorre, por exemplo, quando os regimes de cumprimento de pena ou as formas de sanção aplicadas no exterior são substancialmente diferentes das previstas pela legislação brasileira. Nesse contexto, o juiz brasileiro deverá verificar a extensão e a natureza da pena cumprida fora do país e, com base nisso, reduzir a pena brasileira.
Quando as penas são idênticas:
Nesse caso, se o tipo de pena aplicada no estrangeiro for semelhante ao previsto no Brasil, a pena já cumprida será computada, ou seja, descontada integralmente da pena imposta no Brasil. Aqui, o objetivo é evitar que o condenado cumpra, de fato, uma punição superior àquela prevista em lei por conta de múltiplas condenações pelo mesmo crime.
2. Aplicação prática
Esse dispositivo ganha relevância em casos de crimes transnacionais ou cometidos por brasileiros fora do território nacional. Se um brasileiro comete um crime em um país estrangeiro e cumpre pena naquele país, ao ser condenado novamente no Brasil pelo mesmo crime (caso seja permitida essa condenação de acordo com o direito penal brasileiro), o tempo de pena cumprido no exterior deve ser levado em consideração conforme as diretrizes do artigo 8º.
3. Exemplo prático:
Se um brasileiro comete um crime de tráfico de drogas nos Estados Unidos e é condenado a uma pena de prisão de 5 anos, ao retornar ao Brasil ele poderá ser processado e condenado pelo mesmo crime. No entanto, se a pena aplicada no Brasil for idêntica àquela cumprida no exterior (por exemplo, também de 5 anos de reclusão), o tempo já cumprido nos EUA será descontado. Se as penas forem diversas (por exemplo, se a pena no Brasil for de multa), a pena cumprida nos Estados Unidos poderá ser usada para atenuar a sanção aplicada.
4. Doutrina
A doutrina majoritária aponta que o artigo 8º do Código Penal reflete uma preocupação com a cooperação jurídica internacional e a harmonização do cumprimento de penas em diferentes jurisdições. Guilherme de Souza Nucci destaca que a aplicação desse artigo visa equilibrar a justiça penal, evitando que o réu seja duplamente penalizado, além de garantir o respeito à soberania dos diferentes Estados.
Cezar Roberto Bitencourt também comenta que esse dispositivo é uma expressão da busca por justiça no campo internacional, preservando o indivíduo de sanções excessivas e arbitrárias, uma vez que o cumprimento de penas no exterior já é, por si só, uma forma de punição que deve ser levada em consideração pelo Estado brasileiro.
5. Jurisprudência
A jurisprudência brasileira tem aplicado o artigo 8º de maneira uniforme. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestaram em diversas ocasiões a respeito da necessidade de reconhecimento do tempo de prisão cumprido no exterior.
Por exemplo, o STF já decidiu que o tempo de prisão cumprido no exterior deve ser integralmente computado na pena imposta no Brasil, quando idêntica, reforçando que o condenado não pode ser punido duplamente pelo mesmo fato. O STJ, por sua vez, já reconheceu que, mesmo quando as penas são diversas, a pena cumprida no estrangeiro pode levar à atenuação da pena imposta no Brasil, destacando a necessidade de analisar caso a caso.
6. Conclusão
O artigo 8º do Código Penal busca assegurar que uma pessoa condenada por um crime no exterior não seja punida de forma desproporcional ao ser julgada novamente no Brasil. A norma visa tanto à proteção do condenado quanto à observância do princípio do "non bis in idem", respeitando o tempo de pena já cumprido fora do país. É uma regra que reforça o caráter humanitário e justo da legislação penal brasileira, inserindo-a no contexto da cooperação penal internacional e no respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário