Art. 8 o Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.
O artigo 8º do Código Civil brasileiro trata do instituto da comoriência, que ocorre quando duas ou mais pessoas falecem em uma mesma ocasião, de modo que não se pode apurar quem morreu antes. Nesses casos, a lei presume que ambas morreram ao mesmo tempo. Esse dispositivo é especialmente relevante para questões sucessórias, uma vez que estabelece que, na ausência de comprovação sobre quem faleceu antes, presume-se a morte simultânea dos comorientes. Vejamos mais detalhadamente o que isso significa na prática jurídica e como a doutrina aborda o tema.
Doutrina sobre a Comoriência
A comoriência é um instituto jurídico que tem origem no Direito Romano e visa resolver questões práticas em caso de óbitos simultâneos, especialmente no que se refere à transmissão de bens entre os falecidos. Autores renomados na doutrina civilista, como Maria Helena Diniz e Silvio de Salvo Venosa, explicam que a comoriência se aplica quando há dúvidas sobre a ordem dos falecimentos, de maneira que, para evitar incertezas e litígios, adota-se uma presunção legal de simultaneidade.
Segundo Maria Helena Diniz em sua obra “Curso de Direito Civil Brasileiro”, ao se considerar as mortes como simultâneas, a comoriência evita complicações na sucessão hereditária, pois impede que os bens de um dos falecidos sejam transmitidos a outro que, de acordo com a incerteza da morte, também já estava morto. Dessa forma, presume-se que não há transferência de herança entre comorientes, pois ambos são considerados falecidos no mesmo momento, mesmo que, em realidade, não seja possível averiguar a ordem dos falecimentos.
Já Silvio de Salvo Venosa, em “Direito Civil: Parte Geral”, destaca que a comoriência é um mecanismo de presunção adotado para evitar especulações e disputas sobre a ordem de falecimento, especialmente em casos em que os falecidos têm uma relação de dependência sucessória, como cônjuges ou pais e filhos. Ele enfatiza que, na comoriência, a presunção é juris tantum, ou seja, admite prova em contrário se for possível demonstrar a ordem de falecimento por meios confiáveis, como laudos periciais.
Aspectos Jurídicos e Consequências da Comoriência
Do ponto de vista jurídico, a comoriência tem várias implicações, especialmente em matéria de direito sucessório:
1. Ausência de transmissão de bens entre comorientes: Como a lei presume que ambos faleceram ao mesmo tempo, impede-se a transmissão de herança entre eles. Por exemplo, se um casal falecer em um acidente e não houver herdeiros comuns, cada uma das partes da herança será destinada diretamente aos herdeiros de cada falecido, sem que haja transmissão de um cônjuge para o outro.
2. Impossibilidade de direito de representação entre comorientes: Como não há transmissão entre comorientes, os herdeiros sucessores de cada indivíduo assumem os bens de seu respectivo antecessor, sem que seja necessário que um represente o outro na sucessão. Assim, evita-se que a herança de um comoriente passe por uma "etapa intermediária" na qual ele ou ela herdaria do outro antes de sua transmissão final.
3. Sucessão direta aos herdeiros de cada comoriente: De acordo com a comoriência, a sucessão se dá diretamente aos herdeiros de cada falecido, sem passar de um para o outro. Isso simplifica o processo sucessório, principalmente em casos onde os herdeiros são diferentes para cada comoriente.
Exemplo Prático
Imagine um casal que, infelizmente, morre em um acidente de carro, sem que seja possível definir quem faleceu primeiro. Suponha que ambos possuem filhos de casamentos anteriores, ou seja, não têm herdeiros comuns. Pela regra da comoriência, presume-se que ambos morreram simultaneamente, de forma que a herança de cada um será destinada aos seus respectivos filhos e não ao cônjuge. Assim, evitam-se disputas entre os descendentes sobre qual cônjuge herdaria do outro, antes de repassar os bens aos herdeiros.
Prova em Contrário e Casos de Exceção
Embora a comoriência seja uma presunção legal, ela admite prova em contrário, o que significa que, caso haja uma forma de comprovar a ordem de falecimento (por exemplo, por meio de testemunhas ou exames periciais), essa prova pode afastar a presunção de simultaneidade. Em casos de acidentes graves, incêndios ou outros eventos trágicos em que há evidências confiáveis, a autoridade judicial pode determinar que a ordem de falecimento seja apurada.
Jurisprudência sobre o Tema
A jurisprudência brasileira geralmente aplica a presunção de comoriência nos termos do artigo 8º do Código Civil, mas há algumas decisões em que foram aceitas provas para estabelecer a ordem de falecimento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já teve a oportunidade de se manifestar sobre a matéria, reafirmando a necessidade de provas robustas para afastar a presunção.
Exemplo de decisão judicial: Em um caso julgado pelo STJ, onde um casal faleceu em um acidente aéreo, familiares buscaram afastar a presunção de comoriência, alegando que a esposa teria falecido antes do marido, e apresentaram provas periciais complexas para tanto. Contudo, o tribunal entendeu que as provas não eram conclusivas o suficiente, mantendo a presunção de morte simultânea para evitar injustiças na partilha dos bens.
Considerações Finais
A comoriência é um instituto que visa dar segurança e previsibilidade ao direito sucessório, evitando que dúvidas sobre a ordem de falecimento causem litígios prolongados ou desprovidos de elementos probatórios sólidos. Assim, a comoriência assegura uma solução prática e justa, respeitando o princípio da segurança jurídica ao não permitir que o patrimônio de um comoriente passe para o outro quando ambos faleceram em circunstâncias duvidosas.
Para os estudiosos e operadores do direito, a comoriência é uma norma de presunção relevante, pois impacta diretamente na forma de resolver heranças em casos trágicos, sem que os herdeiros precisem enfrentar disputas ou impasses legais complexos.
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