Personalidade Civil e Direitos do Nascituro
1. Definição de Personalidade Civil
O artigo 2º do Código Civil Brasileiro afirma que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida. Isso significa que é a partir do momento em que uma pessoa nasce com vida que ela passa a ser um sujeito pleno de direitos e deveres na ordem civil. No entanto, a lei brasileira também assegura proteção aos direitos do nascituro (aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu), desde a concepção, garantindo-lhe a possibilidade de ter certos direitos futuros resguardados.
Essa noção de personalidade civil é fundamental no direito, pois é a partir dela que uma pessoa pode atuar como sujeito ativo e passivo de relações jurídicas. A personalidade implica a aptidão para adquirir, exercer e ser destinatário de direitos e deveres, o que faz com que o indivíduo possa interagir plenamente na sociedade civil. Contudo, até o nascimento, o nascituro não tem essa plena personalidade, mas já é titular de direitos resguardados.
2. Início da Personalidade: Nascimento com Vida
O nascimento com vida, conforme previsto no Código Civil, é o marco inicial para a aquisição plena da personalidade civil. Isso quer dizer que, ao nascer e respirar, o indivíduo é considerado uma pessoa física perante o direito. Esse princípio foi estabelecido para garantir que a proteção jurídica e os direitos só sejam atribuídos a quem tenha vida independente da mãe.
No entanto, a definição de "nascimento com vida" também depende de comprovação médica. No direito brasileiro, o nascimento com vida é provado pela respiração, ou seja, a criança precisa ter capacidade para realizar a troca de gases pulmonares, o que indica que está viva. Isso é importante em questões como o registro civil e a herança, pois um natimorto (criança nascida sem vida) não adquire personalidade jurídica.
3. Direitos do Nascituro: Conceito e Proteção
Embora a personalidade civil só se complete com o nascimento com vida, a lei protege os direitos do nascituro desde a concepção. O nascituro é aquele que já foi concebido, mas ainda não nasceu, e o artigo 2º estabelece que seus direitos estão a salvo desde esse momento.
Os direitos atribuídos ao nascituro incluem:
Direito à herança: Mesmo antes de nascer, o nascituro pode ser beneficiário de herança ou legado. O Código Civil, no artigo 1.798, afirma que a herança pode ser deixada ao nascituro, condicionada ao seu nascimento com vida.
Direito à pensão alimentícia: A mãe pode pleitear alimentos gravídicos (ou seja, uma pensão) em nome do nascituro para garantir seu sustento durante a gestação. Essa previsão legal está expressa na Lei nº 11.804/2008, que regulamenta os alimentos gravídicos.
Direito à proteção da integridade física: Durante a gestação, qualquer ação que coloque em risco a saúde ou a vida do nascituro pode ser objeto de intervenção legal, inclusive em casos de abusos ou maus-tratos à mãe que possam afetar o feto.
Direito à filiação: A filiação do nascituro também é garantida, sendo possível que, durante a gestação, seja determinada judicialmente a paternidade, a fim de assegurar direitos à criança após o nascimento.
Esses direitos são exercidos por meio de representantes legais (geralmente a mãe), e sua efetivação depende do nascimento com vida. Caso o nascituro não nasça vivo, esses direitos deixam de existir, como no caso do direito à herança, que só se concretiza se a criança nascer com vida.
4. Interpretação Doutrinária e Jurisprudencial
O tratamento legal do nascituro sempre gerou debates entre doutrinadores e jurisprudência. Existem diferentes correntes que discutem a natureza da proteção jurídica ao nascituro:
Teoria Natalista: A teoria majoritária no Brasil, e aquela adotada pelo Código Civil, é a teoria natalista, que defende que a personalidade civil plena só se inicia com o nascimento com vida. Isso significa que, antes desse evento, o nascituro não é considerado uma pessoa jurídica completa, embora tenha seus direitos resguardados.
Teoria Concepcionista: Outra corrente de pensamento defende que a personalidade civil começa no momento da concepção, tornando o nascituro titular de direitos plenos já desde esse estágio. Embora essa teoria não seja predominante no Brasil, há vozes doutrinárias que defendem uma proteção jurídica mais robusta para o nascituro desde a concepção.
Na prática, a jurisprudência brasileira tende a seguir a teoria natalista, mas com um enfoque cada vez maior na proteção de direitos do nascituro, principalmente em questões de alimentos gravídicos e herança. A proteção ao nascituro é vista como um reflexo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, e, portanto, sua proteção legal está em expansão.
5. Casos Práticos Envolvendo o Nascituro
A aplicação prática do artigo 2º em casos reais é variada, envolvendo situações de herança, alimentos e integridade física. Abaixo estão alguns exemplos típicos:
Herança deixada ao nascituro: Em um caso onde o pai falece durante a gestação, os direitos sucessórios do nascituro são protegidos, e a herança é reservada em seu nome até que o nascimento com vida se confirme. Se a criança não nascer viva, o direito à herança é redistribuído entre os demais herdeiros.
Alimentos gravídicos: Em muitos casos, a mãe entra com ação de alimentos gravídicos para assegurar que o pai contribua financeiramente para os cuidados durante a gestação. Esse tipo de processo é baseado na proteção ao nascituro, garantindo que ele tenha as condições adequadas para o seu desenvolvimento, mesmo antes do nascimento.
Ações de proteção à saúde do nascituro: Em alguns casos, a saúde do nascituro pode estar em risco devido ao comportamento da mãe, como o consumo excessivo de álcool ou drogas. Nessas situações, a justiça pode intervir para proteger o direito à integridade física do nascituro, garantindo que ele nasça com vida e saúde.
Esses exemplos mostram a relevância prática da proteção jurídica ao nascituro e a forma como o sistema legal brasileiro resguarda seus direitos até o momento do nascimento.
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